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Alunos da escola pública em visita ao Lab. de Física do IFCE

terça-feira, 12 de abril de 2011

Concepção Sócio-histórica, Complexidade e a EaD

A psicologia histórico-cultural ou teoria sociocultural de Vigotski estabelece a aprendizagem como determinante do desenvolvimento do indivíduo e que sua interação com o ambiente social, com toda a sua experiência, história e cultura, ajuda-o no processo de apropriação ou internalização dos objetos culturais desse meio, assim como a desenvolver a sua capacidade cognitiva, cujo potencial pertence ao espaço delimitado pela “Zona de Desenvolvimento Proximal” (ZDP) (VYGOTSKY, 1998a), que varia de indivíduo para indivíduo.
Segundo Vygotsky (1998b), o processo de internalização ocorre do nível social para o nível individual, da relação entre pessoas para o interior da pessoa, partindo primeiramente de um processo interpessoal (interpsicológico), para, em seguida, transformar-se em um processo intrapessoal (intrapsicológico), o que sempre pressupõe pessoas inseridas num contexto socio-histórico.
A ZDP é definida como a diferença entre o atual nível de desenvolvimento do aprendiz (nível real) que, por ser capaz de poder aprender sozinho, demonstra esta ação na resolução independente de situações-problemas, e um nível maior de desenvolvimento (nível potencial), determinado por meio da solução de situações-problemas sob a ajuda de um adulto experiente ou em colaboração com um colega mais capacitado.
Esses saltos entre os níveis da ZDP, o que leva a crer numa aprendizagem como processo não-linear, auxiliam o aluno a alcançar crescentes graus de autonomia. O nível de desenvolvimento real caracteriza “o desenvolvimento mental retrospectivamente”, enquanto que a ação na ZDP caracteriza “o desenvolvimento mental prospectivamente” (Ibid, p.113).
O grau de independência do indivíduo é função do amadurecimento das funções psicológicas superiores que, nas teorias de Vigotski, são processos mentais não inatos relacionados à consciência dos atos intencionais de estabelecer relações, planejar, comparar, lembrar, imaginar, etc. desenvolvidos ao longo do processo de interação e internalização dos objetos de seu meio sociocultural.
Para Vigotski, a motivação comanda os pensamentos e “o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos linguísticos do pensamento e pela experiência sociocultural [...]” (VYGOTSKY, 1998a, p. 62). O aluno internaliza o conhecimento por meio das trocas mediadas pela linguagem que, como ferramenta semiótica das interações sociais, estrutura e molda a linguagem interior, o pensamento.
Segundo Sancho e Hernandez (2006), um dos conceitos fundamentais de teorias com enfoque histórico-cultural ou sociocultural é o de mediação cognitiva:
O signo (linguístico ou não-linguístico), como elemento possuidor de significados, é o eixo sobre o qual circulam os processos de mediação. Por isto, o componente semiótico é transcendental. O reconhecimento de que a natureza da consciência é semiótica implica o reconhecimento de que o pensamento humano se forma pela aquisição, uso e domínio de instrumentos mediadores de origem cultural, dos quais o principal é a linguagem, o que levou a aprofundar a análise que permite conhecer o processo de construção da consciência individual e, portanto, da própria identidade e o papel que desempenha os instrumentos culturais (as tecnologias) nesse processo. (SANCHO; HERNANDEZ, 2006, p. 76)

Relativo à mediação, mecanismo presente em toda atividade humana e corresponsável pelo desenvolvimento das funções psicológicas superiores, tem-se que diferenciar as contribuições dos instrumentos técnicos e sistema de signos. Segundo Vigotski, cada um deles detém sua especificidade:
A função do instrumento é servir como um condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente; deve necessariamente levar a mudanças nos objetos. Constitui um meio pelo qual a atividade humana é dirigida para o controle e domínio da natureza. O signo, por outro lado, não modifica em nada o objeto da operação psicológica. Constitui um meio da atividade interna. (VYGOTSKY, 1998b, p. 72-73)
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Dessa forma, não sendo direta a relação do homem com o objeto do conhecimento, a linguagem, como signo mediador e instrumento psicológico de intervenção, colabora na modelagem e estruturação do pensamento na negociação de significados que implicam em desenvolvimento e mudanças cognitivas.
O desenvolvimento do ser humano, nessa perspectiva socio-histórica, alinha-se às correntes de paradigmas emergentes, sistêmicos, não deterministas e não-lineares denominados por Edgar Morin como “paradigma da complexidade”. Para ele, é preciso “[...] enfrentar os imprevistos, o inesperado e a incerteza [...]. É preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas em meio a arquipélagos de certezas” (MORIN, 2000, p.16). A aprendizagem está imersa na dialética entre certezas provisórias e dúvidas temporárias e não coaduna com dogmas deterministas.
O paradigma da complexidade assume que as incertezas é que comandam o avanço da cultura, assim todo sistema está constantemente na erupção da desordem. Por isso a compreensão do pensamento complexo exige o entendimento do tetragrama organizacional (Figura 1) e dos operadores da complexidade (MORIN, 1990, p. 189).
Figura 1 - Tetragrama Organizacional do Pensamento Complexo

Nessa tetralogia, que guia a atividade de qualquer sistema vivo, Ordem é relativo às regularidades; Desordem engloba as ideias de acidente, agitação, degradação, desorganização; Interação é uma ideia nodal, ativa, que abre vias às interrelações e ao ato de interagir sem uma anterior previsão; e Organização é para onde caminha o sistema, evolui, complexifica-se (FORTIN, 2005).
Os operadores responsáveis pelo funcionamento do pensamento são três: Operador dialógico e não dialético, Operador recursivo e Operador hologramático. O primeiro possibilita a dialogização entre elementos do sistema aparentemente distintos, junta-os, mas não faz a síntese deles. O segundo provoca a circulação do efeito sobre a causa, ou seja, um produz o outro. O último relaciona-se à impossibilidade de dissociar a parte do todo, já que a totalidade nunca é igual à soma das partes.
O pensamento complexo ajuda a assumir as relações de tensão entre o local e o global, entre o sujeito e o objeto do conhecimento, entre o individual e o coletivo, tentando fazer com que se estabeleça um canal de comunicação entre elementos, considerados aparentemente opostos, mas que podem dialogar entre si. Dessa forma, é simultaneamente concebível um indivíduo ser cem por cento natureza, provido de todas as suas incertezas e cem por cento cultura com toda a sua história. Para Rego:
Devido a essas características especificamente humanas torna-se impossível considerar o desenvolvimento do sujeito como processo previsível, universal, linear ou gradual. O desenvolvimento está intimamente relacionado ao contexto sociocultural em que a pessoa se insere e se processa de forma dinâmica (e dialética) através de rupturas e desequilíbrios provocadores de contínuas reorganizações por parte do indivíduo. (REGO, 2002, p.58)
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Nesse contexto de desenvolvimento atrelado à natureza humana e sua relação com o meio socio-histórico cultural, onde processos dinâmicos e dialéticos entrelaçam-se e complementam-se, a aprendizagem só pode ser vista como um processo imprevisível, não-linear e caótico, que provoca contínuas reorganizações no sujeito cognoscente.
A aprendizagem deve ainda ser como um processo interativo e recorrente do sujeito com o meio. Para Moraes (2008, p.49) “o aprendido é o produto de conexões, que evoluem individual e coletivamente”. Portanto, deve permitir a coparticipação de outros sujeitos, em um processo coletivo de reconstrução da realidade, que também permita a cada sujeito sua auto-organização (MORAES, 2008; DEMO, 2002; MORIN, 1991).
Auto-organização que promova a autonomia e emancipação do aluno como sujeito proativo e gestor de sua aprendizagem e corresponsável pelo desenvolvimento do grupo à medida que se abre ao trabalho colaborativo. Para Moraes (2008, p.48): “é o significado compartilhado que constitui a base fundacional de um processo em EaD, aquilo que liga, religa e sustenta os vínculos entre as pessoas”. Já para Belonni (2001, p. 40), o aluno em EaD para ser considerado como ser autônomo deve ser “capaz de autodirigir e autorregular” seu processo de aprendizagem.
Segundo Moore (2002), a natureza e o grau de autonomia do aluno em EaD é um dos três fatores que afetam a distância transacional , os outros são: a estrutura dos programas educacionais e a interação marcada pelo diálogo educacional entre alunos e professores. Na Tabela 1, é apresentada a autonomia como algo relativo quando comparada a esses outros dois fatores.
Tabela 1 – Distância Transacional X Autonomia, Interação e Estrutura em EaD
Fonte: Sales (2010), baseado em Moore (2002)
Modelos de EaD que defendem uma maior autonomia do aluno não consideram a interação algo tão necessário e imprescindível, desde que os programas e materiais didáticos estejam fortemente estruturados. São modelos que defendem uma maior independência do aluno, o que provoca uma maior distância transacional.
Para Maia e Mattar (2007, p.17), o cenário mais criativo e inovador para EaD em relação à distância transacional seria aquele de “alto nível de interação entre os participantes, programas pouco estruturados (em que o tutor tem liberdade para produzir, organizar e alterar o currículo conforme o próprio curso progride) e autonomia para o aluno”. Nesse caso, autonomia é dependente da mediação do professor e, por conseguinte, com menor distância transacional.
Sob a óptica do pensamento complexo, a noção de autonomia deve estar atrelada ao de dependência, e é nessa visão que se encaminhará este trabalho. Segundo Robin Fortin, que fez uma profunda análise à obra de Edgar Morin:
Tudo o que é organização viva precisa do seu meio ambiente para a sua organização e reorganização, quer o meio ambiente seja o ecossistema ou a sociedade na qual ele se insere. De toda a maneira, nada de ativo na natureza é autossuficiente. A autossuficiência é um mito, um ponto de vista parcial e momentâneo sobre a realidade. Uma autonomia só tem sentido, como o repete Morin sem descanso, na dependência, graças à abertura pela qual ela se alimenta, se desenvolve e se complexifica. Com o homem é a cultura que, permitindo uma maior autonomia, aumenta a dependência do indivíduo face à sociedade. (FORTIN, 2005, p. 84)
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Por tudo até aqui exposto, não se pode imaginar um modelo de EaD bem-sucedido derivado da simples transposição dos problemas existentes no tradicional modelo de ensino presencial para os ambientes virtuais de aprendizagem (AVA).

NOTA: O texto adota o nome Vigotski no lugar de Vygotsky, face publicações recentes no Brasil, traduzidas diretamente do russo, já apresentarem esta grafia. Comunga-se com Duarte (2006, 2007), que defende a psicologia marxista de Vigotski como a que possibilita a compreensão da relação histórico-social do ser humano, o que a caracteriza como um modelo sociocultural ou socio-histórica, portanto, não se pode classificá-la como interacionista, ou sociointeracionista, ou ainda socioconstrutivista, pois são modelos que se valem da interação entre organismo e meio.


Referências:
BELONNI, M. L. Educação a Distância. Campinas, SP: Autores Associados, 2001. (Coleção educação contemporânea).

DEMO, P. Complexidade e Aprendizagem - A dinâmica não-linear do conhecimento. São Paulo, Atlas, 2002.

FORTIN, R. Compreender a complexidade: introdução a O Método de Edgar Morin. Trad. Armando Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.

DUARTE, N. Vigotski e o “Aprender a Aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas, SP: Autores Associados, 2006. (coleção educação contemporânea).

______. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas, SP: Autores Associados, 2007. (Coleção polêmicas do nosso tempo; v. 55).

FORTIN, R. Compreender a complexidade: introdução a O Método de Edgar Morin. Trad. Armando Pereira da Silva. Lisboa: Instituto Piaget, 2005.

MAIA, C.; MATTAR, J. ABC da Ead: a educação a distância hoje. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.

MOORE, M. G. Teoria da Distância Transacional. Publicado em Keegan, D. (1993) Theoretical Principles of Distance Education. London: Routledge, p. 22-38. Traduzido por Wilson Azevêdo, com autorização do autor. Revisão de tradução: José Manuel da Silva. Revista Brasileira de Aprendizagem Aberta e a Distância, São Paulo, Agosto 2002. Disponível em: http://www.abed.org.br/revistacientifica/Revista_PDF_Doc/2002_Teoria_Distancia_Transacional_Michael_Moore.pdf Acesso: 05/05/2010.

MORAES, M. C. Educação a distância e a ressignificação dos paradigmas educacionais: fundamentos teóricos e epistemológicos. In: M. C. Moraes, L. Pesce. A. R. Bruno. Pesquisando Fundamentos para Novas Práticas na educação online. São Paulo: RG Editores, 2008. p. 19 - 53.

MORIN, E. Science avec Conscience. Paris: Fayard, 1990.

______. Introdução ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.

______. Os sete saberes necessário à educação do futuro. Tradução de Catrina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: UNESCO, 2000.

REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 14ª edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

SALES, G. L. Learning Vectors: Um Modelo de Avaliação da Aprendizagem em EaD Online Aplicando Métricas Não-Lineares. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Ceará, Curso de Pós-Graduação em Engenharia de Teleinformática, Área de concentração: Eletromagnetismo, Orientador: Prof. Dr. Giovanni Cordeiro Barroso. Fortaleza, Ceará, 2010.

SANCHO, J. M.; HERNÁNDEZ, F. H. (org.). Tecnologias para transformar a educação. Tradução Valério Campos. Porto Alegre: Artmed, 2006.

VYGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem. Tradução Jefferson Luiz Camargo, revisão técnica José Cipolla Neto. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998a.

______. A formação social da mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, Organizadores Michael Cole...(et al.), tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998b.